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Uma deusa difícil, a Vitória

Mário transporta um nome exigente. Aplicado às coisas da guerra, Vitória, afinal, é a obsessão de toda a existência. A guerra é uma metáfora extremada do jogo da Vida e, nele, o resultado é sempre a Morte. Mas também pode ser metáfora do exigente jogo da Pintura onde, sabemos, a Morte se chama esquecimento. Mário trava, assim, um combate desigual. Sabe, porém, que o trava no único terreno no qual se pode vencer a Morte, quando ela passa a ter o nome de Memória…

Mário deixa adivinhar, nas grandes composições figurativas que organiza, a vocação de um encenador de multidões em acção, de um cenógrafo de batalhas, de um enérgico desenhador de luz, de um severo director de actores, de um delirante figurinista. Retendo as massas dos corpos para depois as largar sobre o vazio dos palcos e a imensidão dos céus ou isolando as figuras em cenas onde exibem a fixidez das estátuas, jogando com a cor e a sombra, com as formas e os fundos, com os recortes e os volumes, ele é um homem no seu Teatro do Mundo.

Mas os meios que enunciámos e que ele usa são os de um pintor que, isolado no seu atelier, convoca o Mundo para confrontos decisivos e sempre repetidos. As imagens com que nos provoca garantem o fôlego heróico com que as primeiras civilizações colocaram os grandes temas da humanidade: o poder e a derrota, a amizade e a traição, o amor e o ódio, a riqueza e a miséria, a viagem interior e o conhecimento dos outros, o corpo e a alma, a invenção e a negação, a vida e a morte. A História destas pinturas, porque são pinturas narrativas, não existe como diferença nem como novidade mas como retoma. O Tempo não é linear mas circular. O Real não é diferente do Sonho nem mais verosímil que ele. O que está em cima é igual ao que está em baixo.

Usando escalas diferentes para cada zona ou figura da pintura ou do desenho, pintando de modo precioso mas vigoroso, usando a cor com total liberdade, Mário Vitória dispõe os seus elementos: pequenos bonecos de plástico e frutos de uma natureza-morta, guerreiros antigos e figuras de BD, nus humanos e sombras de animais tutelares, céus vermelhos e horizontes longínquos, anjos e máquinas de guerra, citações de pintura histórica e coisas do mais banal quotidiano. Com tudo isto  o artista constrói uma pintura de vocação pública e mural, polifónica e metafórica: um vórtice que nos suga para o seu interior, mostrando-nos o que não sabemos nem podemos ver; ou, como as velas de um moinho, uma pintura nos levanta, nos atira ao chão (para de novo nos levantar, para de novo nos atirar), mostrando-nos o que não queremos ver.

Já vimos que se trata de, através da Pintura, alcançar a Vitória sobre o Esquecimento e a Morte.

João Pinharanda, novembro 2012